28 de set. de 2012

As mãos da Doutora Eunice



Lembro quando eu era criança, à noite via minha mãe à mesa da cozinha, fazendo umas anotações em um caderninho:

- O que tu estás fazendo, mãe?
- Estou anotando quantas crianças nasceram hoje no plantão.

Ela fazia um registro de quantos partos já tinha feito. Lembro que, naquela época, já eram milhares. Depois, infelizmente, ela parou de fazer esse controle. Gostaria de saber quantas crianças ela trouxe ao mundo. Outro dia eu perguntei se ela fazia ideia, mas claro que ela já tinha perdido a conta.

Sempre tive muito orgulho da profissão da minha mãe. Se um médico já é admirado por salvar vidas, que me desculpem as outras especializações dentro da medicina, minha mãe obstetra além de salvar vidas, traz ao mundo vidas novas.

Para mim ela é um grande exemplo de que quando fazemos aquilo que gostamos, fazemos muito bem feito. Vocação que ela descobriu cedo, aos três anos de idade.

Contra a vontade de seus pais, que queriam que ela fosse professora, foi estudar medicina em outra cidade.

Tenho certeza que ela seria uma grande professora, mas perderíamos uma grande médica.

Aliás, ela também foi uma grande professora, na faculdade de medicina.

Outro dia encontrei meu amigo Daniel, que é fisioterapeuta e aluno de medicina. Conversando, ele descobriu que eu era filho da Drª Eunice.

- Cara! Não acredito que tu és filho da Drª Eunice! Ela é demais! Todo mundo adora ela! Deixa eu te contar uma história dela. Esses dias...

E contou uma história, com muita admiração, de um problema que ela resolveu num plantão.

E foram muitas histórias exercendo sua profissão. Histórias tristes, alegres, engraçadas, curiosas. Quanta coisa ela passou dentro daquele hospital!

Aquilo lá era a sua paixão. Quando teve a oportunidade, deixou de atender em clínicas particulares, para atender apenas na saúde pública. Sempre gostou de lidar com gente simples.  Como simples, aliás, é o seu jeito.

Certamente esse jeito e essa paixão pela profissão, exercendo-a sempre com muita ética, ensinaram-me muitas coisas, mostraram-me os verdadeiros valores na vida.

Para aqueles que pensam que médicos são frios, digo-lhes que estão enganados. Doutora Eunice sempre se emocionou com tudo que viveu na profissão. Chorou de tristeza e também de alegria.

Também ficou brava e brigou muito. Mas com certeza sempre por motivos nobres, em prol de um atendimento digno e humano para os pacientes.

Fala-se muito hoje sobre humanização dentro da saúde. Gostaria que todos tivessem tido a oportunidade de conviver um pouco com ela. Infelizmente, para os profissionais da saúde, agora esse convívio só poderá ser feito fora do hospital.

Depois de muitos anos dedicados à medicina, à saúde pública, a amenizar dores, curar e trazer novas vidas ao mundo, Doutora Eunice, minha mãe, vai se aposentar.

As mãos que me fizeram cafuné na infância, mãos tão habilidosas que curaram e trouxeram tantas vidas ao mundo, agora vão se dedicar exclusivamente a fazer tricô.

Tenho certeza que ela continuará a frequentar a maternidade, mas agora apenas para levar as roupinhas de lã que sempre fez para os bebês de famílias carentes que nasciam no seu plantão.

Chegou a hora de ela descansar e aproveitar outras de suas paixões: os netos, os filhos, a Escola de Samba Consulado. Escola esta onde encontrou sua segunda casa e fez uma nova família. Engraçado que lá, onde todos a conhecem e reconhecem seu jeito simples, sempre a chamaram respeitosamente de Doutora Eunice. Uma vocação descoberta logo nos primeiros anos de vida, uma vida inteira dedicada à profissão, que fez com que o título “doutora” fosse incorporado ao seu nome.

Agradeço todos os dias a Deus. Sou um mar de orgulho por ter essa mãe.

2 comentários:

julianadiasw disse...

Que lindo relato e que grande mulher, Paulo! Manda um abraço pra Dr Eunice, que além de todas essas qualidades relatadas por ti, ainda cozinha muito bem.

Unknown disse...

Henrique você é um cara privilegiado mesmo, pois a sua mamãe, a doutora Eunice, é uma profissional muito competente e humana. Sou suspeito de falar dela, pela amizade que construímos e pelo pré natal da minha filhinha. Por tudo isto sou muito grato a ela, pela amizade e pela presteza de sempre, toda vez que buscava os seus préstimos.
Você está de parabens, pela mãe que tem e nós, pela amizade, pelo carinho com que sempre nos demonstrou.
abraços